terça-feira, 31 de julho de 2007

Da intimidade com desconhecidos

Chamam-me comumente de ensimesmado. "O Ewerton Clides é a pessoa mais ensimesmada da paróquia!", dizem sem a menor cerimônia!

Mas há razões para isso. Digo ainda que não sou eu o ensimesmado, senão eles os depravados!

Não costumo relacionar-me muito com as pessoas, primeiramente porque todas gostam de ostentar a amizade que têm comigo. Pergunto-lhes as horas, e já vão dizendo que são íntimas de Ewerton Clides. Que Ewerton Clides é incapaz de uma dissertação sociológica sem a amizade delas! Que Ewerton Clides é tão íntimo delas, que oferece a careca para se coçar! Que os pêlos de Ewerton Clides da barriga rondam-lhe o umbigo! Que já viram Ewerton Clides de meia! E que a meia era meia-calça, de mulher!

Ora! É claro que a informação das horas é de incomensurável importância. E que naquele momento sou plenamente dependente dela. Mas não escolho primeiramente a pessoa a dedo para me dar esta informação. Escolho, pois, o relógio delas a dedo!

Quando estou em algum recinto e desejo saber as horas, analiso em volta de mim todos os relógios. O escolhido é o que aparente atrasar menos. Aí, sim, olho para a pessoa. E vejo na aparência dela, se ela ajustou o relógio com rigor na primeira vez, quando comprou ou ganhou o relógio. Porque não adianta que ele atrase menos, se quando a pessoa foi ajustar o relógio, perguntou a algum qualquer, e ajeitou para "nove e meia"! É necessário perguntar direitinho as horas. Talvez "nove e trinta e dois; quando for nove e trinta e três eu falo. 3, 2, 1 e já!"

Mas o motivo capital pelo qual não costumo misturar-me com os demais são os pensamentos ocultos.

Quando se conversa com alguma pessoa, não se sabe no que ela realmente está pensando. Talvez ela pense no assunto, sim. Mas há momentos em que assuntos íntimos se misturam aos do assunto discutido.

É muito possível que o interlocutor esteja pensando no próprio ânus! Já notei várias pessoas, que discutindo avidamente assuntos sociológicos, dão pausas para aliviar gases! Pausas gravíssimas! Eu, Ewerton Clides, as analiso e ruborizo-me. Certa vez, conversava eu com um sujeito que fez uma pausa para aliviar gases. Ele tinha uma convicção infantil de que eu não notaria o motivo da pausa. Pois ele pausou, e imagina quem se ruborizou? Eu mesmo, Ewerton Clides! No primeiro instante, ele achou que na verdade eu que havia me livrado de gases. Mas como era impossível, percebeu que percebi o truque, e encerrou o assunto com uma conclusão estapafúrdia, com que fui obrigado a concordar - mesmo contendo erros sociológicos inadmissíveis - para encerrar o colóquio de intimidade insuportável!
Há também os que pensam em fezes. Na limpeza mal feita das fezes. E algumas coisas mais.

É por isso que eu, Ewerton Clides, surpreendo sempre pela magnífica concentração nos assuntos, mesmo os mais corriqueiros. Pois ofereço-lhes minha atenção completa! Isto para não oferecer intimidade a quem não merece.

Encontro casual

Eu, Ewerton Clides, possuo uma fazenda de formigas.

Nesta fazenda, há oitocentas e vinte e três belas formigas, além de trinta e quatro feias. Mas destas não posso me livrar, já que as outras formigas poderiam se sentir ameaçadas com mortes sumárias de outras, que são feias para mim, mas que para as outras formigas são, apenas, formigas.

Sábado último, enquanto fazia a catalogação da semana, estava na formiga de número 765, a Romilda. A de número 324 se chama Josefa. A 459, Marofa.

Como se percebe, todas as formigas de minha fazenda têm nomes femininos. É que eu, Ewerton Clides, não admitiria dar-lhes nomes masculinos enquanto são formigas - etimologicamente dizendo, uma palavra feminina.

Mas no catalogamento de Romilda, o número 765 lembrou-me escada. Ou seja: - hora de meu passeio.

Desci todas as escadas, abri a porta de meu escritório e trombro com uma mulher. Espantei-me pela trombada que foi uma trombada deliciosa! Mas que cheiro mais gostoso! É claro que este cheiro gostoso provinha dela, porque cheiro de perfume me dá alergia no nariz! E quem poderia ser senão a senhora Ursípedes?! E sozinha!

Neste momento, agradeci por toda a ordem dos acontecimentos mundanos. Senti que tudo estava a meu favor para que, às 17:23, catalogasse Romilda, de número 765, e me ocorresse de dar uma voltinha. Tudo. Agradeci a Pedro Álvares Cabral por naquele dia ter dito à sua empregada que queria frango assado. À empregada de Cabral que o desdizeu, e fingindo ouvir errado, fez frango cru. Aos convidados de Cabral que nunca comeram frango cru e reclamaram naquele dia, nunca mais comendo frango cru na vida todinha! E todo o prosseguimento destes acontecimentos, que graças a eles, pude trombar com a senhora Ursípedes neste sábado! Mas não somente a Cabral e seus próximos. Faço aqui uma lista de agradecimentos pelo encaminhamento mundano que permitiu o trombamento:

- Roberto Maratsumoto Hipólito, que pisou no cocô do cachorro e, para limpar o pé, o chão e ainda dar bronca no cachorro, demorou três minutos a mais para sair de casa. Agradeço ao seu cachorro também, cujo nome não me ocorre agora.

- Marcondes Habibi, cuja excreção anal não foi corretamente tratada e sujou o rio. Agradeço também aos governantes que acharam que era besteira um programa de saneamento básico na região de Marcondes.

- Juan Román Riquelme, em sua visita a Porto Alegre, que dizem ter feito um grande estrago! - Magnoteto Telépono Ingnioce, criança de seis anos que elogiou minha careca em Báli.

- Marcelino Uruguay, excelentíssimo inimigo de Urbina Freitas, que colocou meia suja em sua bolsa para causar-lhe vexame em reunião com o presidente. Agradeço ao presidente por não ter percebido o cheiro.

- Jo-a-kin, coreano nascido em maternidade precária. Agradeço a enfermeira que o deixou cair no chão assim que nascido. E ainda abono a culpa da enfermeira: a maternidade é precária, como já foi dito!

- André Ursípedes, que ao dar um pequeno arroto, tropeçou segurando uma lata e olhou com vergonha a todos em volta pelo tropeço e pelo arroto que saiu em som maior do que o planejado.

- Robierto Uguain, que teve um i colocado sorrateiramente em seu nome por:

- Magnânimo Silva, empregado de favor em um cartório que passava o tempo adulterando nome de crianças recém nascidas.

- Alfredo Jacu, que surpreendentemente gostava do nome.

E todas as outras pessoas, acreditem, vocês não são esquecidas por mim, Ewerton Clides. Agradeço-lhes por cada ato, cada palavra, cada coceirinha escondida em regiões pubianas, pois não fossem vocês, a senhora Ursípedes teria passado por meu escritório em tempo diferente que não aquele, e não haveria o encontrão.

Ela não me reconheceu. Andou com mais pressa e disse um palavrão - filho da puta - tão bonito, que a citação de hoje é dela.

"Filho da Puta" Juliana Ursípedes

A catalogação das formigas foi suspensa.

CECCC-A

Ao lado da sede regional do Instituto Ewerton Clides de Guararapes, localizava-se uma clínica convertedora de valores. Lá, pessoas alcoólicas transformavam-se em crentes religiosos.

Soube disso numa quarta-feira, quando fui informado que o número da venda de meus livros havia subido porque a clínica convertedora havia liberado os internos a saírem uma vez por dia. E os internos saíam para comprar os livros escritos por mim, Ewerton Clides. Foi aí que a compaixão me tocou.

Ora, pensei: - Por que não abrir uma concorrente? Mas não uma concorrente igual, pois não é do meu feitio copiar idéias. Uma concorrente que fizesse justamente o oposto, que transformasse crentes em alcoólatras! Que tirasse dos crentes a mania por deus, e lhes desse o sabor do álcool!

Foi aí que surgiu o Centro Ewerton Clides de Conversão Crente-Alcoólatra.

Hoje, este empreendimento funciona em todo o Brasil, em sedes variadas, ajudando as pessoas em transformar o vício em deus por vício em álcool! Molhando a garganta cansada de rezar com gotas do mais delicioso álcool.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Jesus Cristo sociólogo

Definir sociologicamente Jesus Cristo é como pintar a parede da sala sem tirar os móveis: a sala ficará com pintura satisfatória, mas sempre que se quiser dar uma arranjadinha nos móveis, notar-se-á que atrás deles a cor está diferente. E se pintar a parte que estava diferente, vai ter que pintar a sala inteira, mas como os móveis estarão ainda lá, o problema se repetirá infinitamente.

Jesus Cristo possuía barba. Suas unhas, pelo que se consta, nunca o incomodaram, visto que a Bíblia e os filmes bíblicos demonstram-no sempre com unhas rijas e bem aparadas.

Cuidado com os filmes bíblicos!

A simples transcrição não sociológica já encaminha uma distorção. E a bíblia, coitada, foi feita na época em que se alguém dissesse a palavra sociologia, seria seguida por um interlocutor se utilizando da seguinte expressão:

- Quê?

E também seria seguida de si mesmo:

- O que foi que eu disse?

Isto porque a pessoa não saberia o que era sociologia e diria alguma coisa que nem ela sabia o que era!

Ou então, como foi muito divulgado, mas depois por mim desmentido, a pessoa responderia:

- Sim, sim. Creio que fica à esquerda.

Esta resposta foi dada em uma magnâmina confusão. A pessoa testou, enquanto a bíblia era escrita, dizer sociologia. A outra pessoa entendeu errado, pois, ao muito estudar e empreender elocubrações das mais variadas, percebi que a resposta veio de um engano, pois foi respondida como se referindo a um lugar! Como se eu perguntasse onde fica o posto de gasolina, estando à direita dele, para você me dizer que fica à minha esquerda!

Então se a bíblia já é distorcida, os filmes bíblicos são mais distorcidos ainda. Mas com uma vantagem.

Se a bíblia distorce - portanto erra - e os filmes bíblicos também distorcem - portanto também erram -, os filmes bíblicos podem acertar errando, já que errar um erro pode se encaminhar em um acerto em dia de coincidência. Este é o conceito de desdistorção, muito estudado em meus vários e célebres livros - comprem sempre meus livros no Instituto EWerton clides, para o lucro reverter-se sempre a mim, Ewerton Clides.

domingo, 29 de julho de 2007

Gaiato!

Meu avô derramou uma xícara repleta de leite em meu primeiro rascunho sociológico.

Eu, criança, olhei pasmo as letras que escrevi sendo misturadas pelo líquido marrom de vovô Clides.

- Mas vovô...

- Quê? Que foi?

- O líquido, vovô, o líquido marrom!

- Achocolatado, quer?

Eu disse que não, que obrigado.

Hoje, eu diria para vovô Clides, que ele atrasou o início da sociologia do maior sociólogo, com aquela distração. Sabe o que ele responderia?

- Gaiato! - e lamberia os lábios, rindo do orgulho que tinha pelo neto, no caso eu, Ewerton Clides.

Depende?!

Eu, Ewerton Clides, vou dizer como testo as pessoas. Testava. Porque após dizer aqui, jamais poderei testar de novo, porque todas as pessoas que me conhecem - as dignas de teste - lêem tudo que publico.

- Eu, Ewerton Clides, posso pedir-lhe um grande favor?

Peço assim, com voz ligeiramente aflita, como se realmente necessitasse de um favor enorme. Como se minha calma, e estabilidades sociológica, física e financeira dependessem do favor que somente a pessoa poderia fazer por mim.

Mas tomo cuidado sempre com minha fama. Porque não conheço alguma pessoa que não deseje fazer-me um grande favor. Então este teste tem que ser feito sempre depois de intimidade alcançada, que permita a pessoa sentir-se segura com minha amizade, a ponta de se permitir a preguiças.

A resposta da pergunta é variada. Tem gente que diz:

- Claro, Ewerton Clides, eu farei o favor sem o menor problema!

Então eu sei que posso confiar nesta pessoa. Mas há os que dizem:

- Não, Ewerton Clides, agora não dá.

E também tem quem diga:

- Depende.

Resposta por resposta.

A primeira é a resposta que mais me agrada ouvir, pois sei que posso confiar na pessoa nos maiores intempéries. Ela, sem saber do que eu, Ewerton Clides, necessito, fará. Para ela, o meu conforto está a frente dos caprichos dela. Então esta pessoa passou no teste. Em resposta, posso dizer-lhe:

- Por favor, diga-me que horas são? - quando não desejo que ela saiba que era um teste.

- Parabéns! - assim o faço quando a pessoa me surpreende, e ela saberá que é um teste.

Agora, se a pessoa me dá a segunda resposta, a negativa, ela não passa do teste. Mas também não será eliminada. Assim porque ela não pode conceder-me o favor ou por preguiça mesmo - o que a caracterizaria eliminada -, ou então porque há alguma coisa que lhe impeça, então não há problema. Isto porque ela poderá ter outras amizades, e estar em um momento de favor a outro amigo, o que significaria lealdade.

E a terceira resposta: - "Depende." É a mais irritante! Tão irritante, que me exalto quando ela vem! "Como depende?!", lhe pergunto! E ela fica encabulada, me olha com preguiça, e reintera que depende da dificuldade do favor!

Ora essa! Eu, como grande sociólogo que sou, não admito amizades preguiçosas!

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Dolores

Eu, Ewerton Clides, entrei em uma loja de conveniência que se localizava dentro de um posto de gasolina.

Do segundo pro terceiro instante dentro da loja, me pus a rir. A boa risada, como se sabe, pede apoio. Nunca vi alguém que risse uma boa risada sem se apoiar em algum lugar. Quando ando na rua com algum interlocutor, procuro apoiar-me nele para rir. Se estou em meu lar, procuro um móvel de madeira firme. A escada, como se sabe, já tem corrimão dos dois lados, o que possibilita que duas pessoas riam em par, da mesma coisa, sem se apoiarem. Será que ela, a escada, foi inventada por alguém muito bem humorado? Ou será que não, que só tem corrimão para ninguém cair pela dificuldade causada pelos degraus? Degraus causam o mesmo efeito da graça.

Mas lojas de conveniência não são para rir. Pelo menos boas risadas, não. E sabe por que eu ria daquela forma? Por estar sendo inconveniente dentro de uma loja de conveniência! E sabe por que fui mais inconveniente ainda? Porque derrubei um chiclete da estante na hora de apoiar a risada. E a minha inconveniência evoluía como um rocambole infinito! Pois eu ria mais ainda.

Porém, possuo auto-controle. Parei de rir assim que quis, e para pegar o chiclete que deixei cair da estante. Esta tarefa é fácil para mim, pois chão não me é distante.

- Mas Ewerton Clides, por que você riu pela primeira vez?

Não me lembro. Acredito que foi por um motivo de pouca relevância que culminaria numa risada mínima. Mas esta risada mínima foi que me fez pensar numa risada maior, e este pensamento, sim, foi muito engraçado.

Coloco o chiclete na estante, quando minha face se avermelha.

Uma senhora perguntou-me o porquê da graça. Ela disse que achava que a risada era incompatível à sociologia. E eu lhe disse que achava que aquela pescoço enorme fosse incompatível em uma cabeça tão pequena. Se isso era possível, por que eu não podia rir?!

- Hein, hein, hein?!

Ela disse que era por doença.

Como pude ser tão inconveniente, repito, numa loja de conveniências?! E lhe disse crer que estava no lugar certo, pois já que não possuía conveniência, era necessário que comprasse uma! Disse isso mirando já uma estante plenamente resistente e sem objetos em volta, pronta para suportar minha outra risada.

A conversa ia-se tornando menos e menos agradável. Ainda bem que ela tirou um livro escrito por mim, "Cocô mole em papel higiênico duro, tanto raspa até que fura", para pedir-me um autógrafo.

Com o livro no balcão, abri a terceira página, em cujo branco poderia escrever o autógrafo. Sabe qual era o nome dela?

- Dolores!

- Dolores?! Você é minha tia?

- Não! Por quê?

- Eu, Ewerton Clides, sempre desejei ter uma tia com o nome Dolores. Perguntei somente para ter, na vida, um momento de esperança de realmente possuir uma tia com este nome. Matematicamente, no momento entre a minha pergunta e a sua resposta, eu possuía 50% de chances de você ser minha tia. Pena.

Saí da loja de conveniência estupefato por entrar numa loja de conveniência e não ter feito nada que pudesse contar depois, em jantar com senhora Ursípedes. Fiz questão de me fingir de distraído e não autografar o livro de dolores, com rancores de ela não ser minha tia.

Sobre meu livro "Pingo e limão, não pinga"

Falo de meu livro "Pingo e limão, não pinga". Na primeira semana, esteve logo no primeiro lugar do ranking de livros da livraria de meu instituto - a única que vende todos os livros de Ewerton Clides, e só livros de Ewerton Clides. É claro que comemorei isto na cama elástica. Foi assim.

Meu assessor telefonou-me:

- Ewerton Clides! Seu livro está no primeiro lugar do ranking do instituto!

Coloquei o telefone de lado, assoprei triunfalmente, e disse a ele sem que percebesse minha euforia de assopros:

- Obrigado pela informação.

E fui à cama elástica.

Uma semana depois, recebi um telefonema do mesmo assessor:

- Ewerton Clides! Telefono para dizer que seu livro novo não está mais no primeiro lugar dos livros mais vendidos do instituto!

Tirei o telefone de minha boca e não disse nada. Tirei com medo de que escapasse de minha boca alguma reação – algo improvável -, já que nessas horas sempre dizemos alguma coisa, e é sempre bom esconder as coisas do assessor. O problema é que nessas horas, vocês sempre dizem alguma coisa, mas eu, Ewerton Clides, não. Então retornei o telefone à minha boca e lhe disse:

- Mas então que livro está na primeira colocação?!

- É o seu, Ewerton Clides, o da biografia.

Dei um sorriso largo, mas sem dizer nada, a não ser:

- Obrigado pela informação.

Desliguei.

Cama elástica, claro.

Este era um post para se falar de meu novo livro, "Pingo e limão, não pinga", então vamos a ele.

- Fale mais um pouquinho do ranking, vai, Ewerton Clides?

Falo.

O ranking da livraria de meu próprio instituto é o seguinte:

1- "A biografia não autorizada de Ewerton Clides, escrita pelo próprio Ewerton Clides", de Ewerton Clides

2- "Pingo e limão, não pinga", de Ewerton Clides

3- "Lavar macaco: sabonete ou xampu?", de Ewerton Clides

4- "Uma sociologia e meia", de Ewerton Clides

5- "Como adular a mãe sem ser o filho da adulada", de Ewerton Clides

6- "A adulada", de Ewerton Clides

7- "Falar consigo mesmo sem o uso do telefone - para não dar ocupado", de Ewerton Clides

8- "Quê? Que o quê? Eu só disse quê.", de Ewerton Clides

9- "Papel higiênico mole em cocô duro", de Ewerton Clides

Não falemos mais do ranking.

Meu livro "Pingo e limão, não pinga", assim que lançado, teve uma entonação estranha até pelos leitores mais assíduos. Eles se esqueciam do acento entre as palavras limão e não. Pois eu já previra este desconforto separatório.

Pos isso, escrevi um prefácio somente em honra da vírgula. Eis um trecho: "Amo uma mulher que ama outro homem. E este outro homem também ama esta mulher. Pois entre as palavras pingo e não do título deste livro, há uma vírgula." Ou seja, não escrevi que limão não pinga. Mais adiante, no mesmo prefácio: "Quem sabe qual é a mulher que amo, favor falar para ela sempre bem de mim. E também lhe peço que fale sempre a qualquer pessoa, da importância desta vírgula no título de meu livro. E caso conheça a mulher que amo, e estiver entre falar bem de mim ou falar da vírgula, dê a preferência para falar bem de mim. Mas caso dê para falar da vírgula, serei grato."

Enfim, esta vírgula serve somente para dizer que não falo da bebida pinga. Justamente para desfazer um engano, propus outro.

Soluços sociológicos

Uma curandeira sempre se surpreende com a previsão acertada.

E eu andava pelas ruas para observar pessoas. E ser observado, claro. Mais ser observado do que observar, embora tenha um metro e cinqüenta e cinco.

(Para mim, Ewerton Clides, a maior virtude humana é virar o pescoço para baixo. Não fosse isso, eu, Ewerton Clides, seria fisicamente tão relevante quanto uma formiga.)

Uma moça muito feia me observava e me seguia. Eu pensei, primeiro, que ela perguntaria a quantidade correta de pingos de limão a se dar a uma planta quando se é vegetariano, já que lancei recentemente o livro "Pingo e limão, não pinga".

Pois o sinal estava fechado, e ela se emparelhou a mim. Ela ia dizer "Olá, Ewerton Clides", mas eu antecipei e disse: - "Sim?"

Ela ficou um pouco vermelha e perguntou se eu gostaria de ir a uma curandeira consultar o futuro. Eu disse que não. Mas não justifiquei, virando logo cento e oitenta graus, numa atitude estranha de esperar o sinal e simplesmente voltar. Aqui explico.

Primeiro que não sou comprometido, mas me encanto muito por uma senhora. E eu estava com soluço.

A grande vantagem da palavra escrita é que nela, o soluço não atrapalha.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Espinhas

Marcos, um transeunte qualquer, perguntou-me na última sexta-feira se sou feliz.

Mais feliz eu seria se um sujeito com o nome de Marcos não me interpelasse para perguntar se sou feliz. Da mesma forma que eu teria muito menos espinhas se permitisse à minha empregada faceira que as tirasse. Mas não a permito por crer que o toque em um sociólogo é desconfortavelmente desmistificador. E que ela venderia depois, a espinha de Ewerton Clides!

- Mas e a sua felicidade, Ewerton Clides?

Acho que ele queria uma espinha. Ofereci-lhe a face, com o lábio inferior dobrado, dando a entender claramente que me tirasse uma proeminente espinha que se localizava à lateral esquerda de minha testa. Mas ele nada fez.

Expliquei-lhe, então, que a minha testa se distingue do cocuruto vazio de pêlos pelo brilho - o cocuruto brilha mais. Mas também é fácil de notar que uma espinha jamais teria a ousadia de se localizar na minha testa. Se tivesse, eu, Ewerton Clides, pentearia o cabelo do lado esquerdo até alcançar o lado direito, cobrindo, assim, a careca. Mas isto seria feito em um caso propriamente atípico, pois não me agrada esconder meu cocuruto careca.

Um tanto enviesado, ele disse que não desejava tirar alguma espinha minha, senão saber se eu era feliz. Mas como eu havia lhe oferecido, perguntou por que eu mesmo não tirava as minhas próprias espinhas.

Vencido, olhei-lhe e disse: - "Sim, sou feliz."

terça-feira, 24 de julho de 2007

Assunto pendente

Escrevo este texto em tarde de insônia. Tenho alguns assuntos pendentes.

Eu gostaria de abordá-la e dizer que tenho duas notícias boas e uma ruim. "Então conta logo a ruim!" Não! Eu contaria a boa: Eu a amo!

- E a outra boa, Ewerton Clides?

A outra boa é a de que não há notícia ruim!

sábado, 21 de julho de 2007

O moço sozinho

Eu, Ewerton Clides, sou um sujeito que ouve muito as conversas dos outros.

Certo dia, fui ao restaurante. Sentei sozinho na mesa, quando veio o garçom:

- O de sempre, Ewerton Clides?

O de sempre, claro. Então ele não trouxe nada, pois vou ao restaurante é para ouvir conversas.

Quando eu era um sociólogo menos conhecido, precisava escolher a mesa vazia certa para ouvir conversas sociologicamente concretas. Hoje, tenho uma mesa fixa. E as pessoas que almejam ser ouvidas por Ewerton Clides é que sentam perto de mim. Estes lugares são muito concorridos.

Mas na sexta-feira passada, algo intrigante ocorreu.

Um sujeito vestido de shorts e camiseta sentou-se na mesa ao lado da minha. Parei de ouvir todas as outras conversas para prestar atenção no sujeito. Pensei na motivação dele para sentar perto de mim, já que não podia ser ouvido, uma vez que estava sozinho e não tinha com quem conversar.

Pediu bife à milanesa.

Continuei absolutamente compenetrado, agora, mais no bife à milanesa, que ele cortava em fatias iguais - todas retangulares. Antes de pegar o primeiro bife, espirrou para o lado sem tirar as mãos dos talheres. Admirável!, para não contaminar os bifes.

Mas ele não começava a comer!

Pensei em Leonardo Da Vinci quando disse parla; em Givanildo - o jardineiro - quando disse corta; no rei da França, quando disse enforca; no rei de Piza, quando disse torta; no carregador, quando disse passa a mala; e em Napoleão, quando disse:

- Ataca!

O moço olhou a mim, Ewerton Clides, triunfante. Veio na minha direção com o prato na mão, e o colocou na minha frente, junto com garfo e faca.

Foi então que percebi que ele não desejava ser ouvido por mim. O que ele desejava, era falar comigo!

Ao telefone

Atendi o telefone quando meu mordomo dava sinais de que estava dormindo.

Creio que dormir é salutar, e comer é na cozinha. Dormir na cozinha, então, é saudabilíssimo! Pois era lá que meu mordomo dormia, quando o telefone tocou. Dormia tão formidavelmente, que nem os toques agudos do telefone foram suficientes para acordá-lo.

Então eu, Ewerton Clides, atendi o telefone. A pessoa que ligou falou muitas coisas iguais. A todas respondi evasivamente, pois atendi o telefone enternecido com o mordomo. "Ewerton Clides está?" Está, sou eu, é ele, depende da conjugação. Mas você gostaria de falar com ele ou só saber se ele está? Se for só saber se ele - no caso, eu - está - no caso, estou -, está, ou estou, depende novamente da conjugação.

Deixei o telefone onde estava sem desligá-lo, rindo de mim mesmo, pois não tenho a menor habilidade em atender o telefone! E ainda por cima o mordomo estava acordando. Eu lhe disse baixinho para não assustá-lo do sono:

- Venha! Venha para me chamar!

Ele veio, me chamou, e então eu falei ao telefone normalmente.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

A sociologia da saudade

Na primeira vez que falei da sociologia da saudade, não fiquei nervoso como ocorreu quando finalmente consegui utilizar privada, aos oito anos de idade. Porque nesta ocasião, havia barulho abaixo de mim, e eu sabia muito bem que era barulho de água. Mas saudade não faz barulho. E é seca!

A sociologia da saudade é como uma parede pintada de vermelho na parede branquinha da sala.

No primeiro dia, acordei às dez horas da manhã, hora do esplendor de luzes da parede. Entrei na sala a passos leves, mas não pude dar o quarto passo: a parede estava pintada de vermelho clarinho! Assustei-me como podia.

Meu mordomo encontrou-me de cócoras na entrada da sala.

(E ele, de quem falei muito, e bem, ainda há pouco, suscitou entre meus admiradores a o pedido da revelação de sua identidade. Juraram-me que não era por inveja, nem para contratá-lo. Era somente por curiosidade. E a sociologia não se faz quando há curiosidade.

Pois eu disse:- "Mordomo, vou revelar sua identidade". O termo mordomo dito há pouco não foi dito, mas sim com o nome do mordomo. Pois revelo, agora, a identidade de meu mordomo: 536975215-5.)

Pois ao encontrar-me de cócoras na entrada da sala, ele disse: - "Ewerton Clides, por que você está de cócoras na entrada da sala à esta hora? Você não costuma ficar de cócoras. Devo estranhar ou acrescentar na lista de seus hábitos matutinos?". Não sei, respondi-lhe, mas você deve notar que a parede está vermelha!

- Quer chá, Ewerton Clides? - perguntou-me, então.

Eu disse que sim, olhando a parece vermelha. Adoro chá.

Na décima quarta manhã, a parede estava muito mais vermelha, e eu nem notei.

Se pedissem a mim, Ewerton Clides, para pintar a minha parede de vermelho, eu diria que não. Mas hoje, com o vermelho escuro, eu não deixaria ninguém pintar a parede de branco. Adoro vermelho.

ps: A sociologia da saudade surgiu de uma fala feminina: “Eu acho que lugar de parede vermelha é na parede do filme.”

Ewerton Clides, a infância

Uma pergunta comum que muito me acomete é a de como foi a minha infância.

Perguntam-me, por exemplo, se todos me chamavam nesta época já de Ewerton Clides, e não somente de Ewerton. Ora, meu sobrenome é Clides desde que nasci. Não admitia mesmo criança que me ocultassem o sobrenome como criança esconde o champignon na beira do prato! Champignon é digno de se esconder, porque fungos vivem mesmo escondidos. Já meu sobrenome tem é que ser muito exibido! No sindicato com meu nome, muitas vezes ouvi muitos aplausos por somente proferir Ewerton Clides. Não teria por que escondê-lo.

Eu escondia o champignon também por repudiar os estrangeirismos. Ou você acha que ascendo abajour? Prefiro abajur.

As mulheres da infância censuravam-me muito pelo que diziam ser minhas excentricidades. Eu não era excêntrico. Excêntrica era minha avó! Ela pintava o cabelo de verde.

Mas censuras femininas nunca me comoveram.

A minha infância acabou aos ointenta e dois anos, quando visitei a casa dos Ursípedes. Até esta ocasião, os seios femininos eram para mim, Ewerton Clides, tão interessantes quanto um camelo, com vantagem para o camelo que não precisa usar sutiã.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Humor-domo (parte dois)

O corte de cabelo do meu mordomo igual ao meu não me soou como imitação.

Muitos sociólogos costumam me imitar. Eu lhes digo sempre que não tenho raiva, pois se fosse incompetente como eles, e se a sociologia não me fosse tão abundante, eu não copiaria Ewerton Clides, como eles fazem, porque neste caso eu, Ewerton Clides, não existiria para ser copiado.

O cabelo de meu mordomo não foi uma cópia. Foi uma homenagem! Se ele copiasse, não teria me olhado orgulhoso, ávido para que seu cucuruto fosse visto na parte mais adequada de meus óculos. Se ele copiasse, fingiria que não era cópia! Se ele copiasse, não receberia bonificação na janta. E se ele copiasse, não seria meu mordomo, porque mordomo de Ewerton Clides homenageia, não copia.

Para ser meu mordomo é preciso ter altivez própria. Fora que ela detestaria ver a mim, Ewerton Clides, com um mordomo que não fosse digno de mim.

Humor-domo

Amor de mordomo é essencialmente irrealisável.

Meu mordomo me olhou esquisito no dia vinte e dois. Eu sei que foi no dia vinte e dois porque assim que ele me olhou esquisito, perguntei-lhe a data. Se ele dissesse um número, não seria a data motivo de alguma coisa; e se ele respondesse alguma coisa diferente - como, por exemplo, hoje é dia de pintar o bigode! - , seria esse o motivo. Mas ele disse número: vinte e dois. Deu para reparar que não sei do mês, porque quando ele disse, eu sabia o mês. Hoje, não mais.

Então ele colocou a xícara vazia em cima da geladeira, do jeito que eu gosto.

- Ele quem? Ele não tem nome? É só mordomo?

Ele tem nome. Que não direi para não valorizá-lo. Todos quererão tê-lo como mordomo, o mordomo de Ewerton Clides! E levá-lo a festas só para dizer que está com o mordomo de Ewerton Clides!

Mas o motivo de eu não dizer o nome é unicamente o de que ele não sairia por motivos de ordem financeira! Porque ser meu mordomo não é somente ter um salário de mordomo de Ewerton Clides! É ser o mordomo de Ewerton Clides!

E o mordomo de Ewerton Clides, o meu mordomo, colocou a xícara vazia em cima da geladeira. Então colocou o chá de erva cidreira no vazio, onde deveria estar a xícara que não em cima da geladeira. Este é meu ritual porque assim aconteceu no dia que a conheci.

Mas desta vez, enquanto limpava o meu paletó de café da manhã, meu mordomo abaixou a cabeça, cujo cucuruto ficou na exata posição em que as lentes de meus óculos melhor funcionam: ele cortou o cabelo igual ao meu!

Como é sabível ao olhar na foto do prefácio de meu último livro - a sociologia é um CD-R: nãu funciona legal em discmans antigos - meu cabelo inexiste no cucuruto. E meu mordomo é jovem, teria cabelo onde quisesse! E não o quis no cucuruto: raspou o cabelo do cucuruto somente para ficar igual a mim.

Careconização

O direito de propriedade intelectual da careca surgiu em virtude da reclamação óbvia de que se todas as coisas lisas podem servir de tela para obra de arte, a careca também pode ser uma. Inclusive eu, Ewerton Clides, escrevi uma petição para que se homologasse o que chamei, na época, de "tela viva, a única que sua".

Um dos maiores obstáculos para a aprovação, foi a constante implicância da sociedade como um toldo sobre as várias carecas do mundo. Diriam que seria preciso homologar cada careca, pois além da diferença óssea, havia, na época, a diferença entre o tamanho das carecas e das cores delas. Esta implicância, claro, é pertinente. Mas eu, Ewerton Clides, por ser Ewerton Clides tive a opinião prevalecida. Inclusive as críticas mais árduas foram relevadas.

A aprovação foi recebida com muita festa entre os sociólogos em geral, porque sociólogos costumam ser carecas, e os que não são, sociólogos não podem ser. E eu, Ewerton Clides, fiquei muito satisfeito com o status comprovado.

Mas hoje comprei uma tinha a gouache e a pintei na careca com o dedinho. Suei e fiquei com a cara inteira colorida!

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Abuda

A sociedade como um toldo notou minha ausência. Como um toldo que não tinha o que cobrir! A sociedade sem eu, Ewerton Clides, é um toldo no deserto cobrindo areia!

E em minha ausência notei outra, incrivelmente mais significante que a minha. Eu não tinha mais toldo! Eu era um albino no deserto sem toldo!

Agora estou aqui. E até bronzeei-me artificialmente para ficar mais atraente. Agora que não sou mais albino, tenho o toldo!

Eu, no seu lugar, gostaria de saber o que fiz nesta ausência. Então você não deve ter pensado isso, porque você não sou eu. E como você não é eu, não pensa como Ewerton Clides, embora seja muito possível que tenha em sua mente o pensamento ewertonclidiano muito avançado.

Contar-lhes-ei o que fiz enquanto o toldo estava descoberto.

Estudei deveras para me tornar um muçulmano. A religião muçulmana sempre me foi atrativa, principalmente por sua parecença com a palavra mussarela, queijo que me cai muito bem. Mas semelhança com queijo não é suficiente para mobilizar a mim, Ewerton Clides. Pois foi somente quando vi nesta religião a possibilidade do casamento arranjado foi que procurei na lista telefônica o endereço da igreja muçulmana mais próxima de minha residência.

Aqui, o leitor deve ter notado o meu primeiro engano. Como procurar endereço na lista telefônica?

Mas foi somente errando o caminho à padaria que avistei uma bela igreja evangélica. Então pude perguntar a quem entrava onde havia por perto uma igreja muçulmana.

- Otomana?

Não, eu havia dito muçulmana muito claramente, não sei como aquela mulher feia não me entendeu.

- Mas meu senhor, foi isto mesmo que eu ouvi e lhe disse: - "Muçulmana."

Então foi desfeito o engano: eu era quem havia ouvido errado. Mas sou sociólogo, e uma surdez ligeira é para a sociologia o que a nuvem é para uma criança solitária que aponta o céu e diz: - "Olha, mãe! Não parece um elefante?". Ao que a mãe responde que não, com o intuito correto de não dar à criança nuvens para a imaginação.

A igreja era aquela mesma. Eu também havia lido errado. Não era evangélica. É que vou à padaria sem óculos.

Rapidamente enturmei com aquela comunidade sem reservas. Elas gostaram da minha careca brilhante que eu dizia ser proposital. E eu gostei daquelas barbas que eles diziam ser propositais.

Nosso relacionamento teve somente um entrevero, suficiente para pôr abaixo meu plano do casamento arranjado. Foi que perguntei de Abuda, inoportunamente colocando um A frente à palavra do deus deles. Eles perdoaram o engano, mas não perdoaram que eu achasse que o engano era por ser Abuda ao invés de Buda.

Expulso da igreja, fui à padaria e comprei pães - cinco deles.