Amor de mordomo é essencialmente irrealisável.
Meu mordomo me olhou esquisito no dia vinte e dois. Eu sei que foi no dia vinte e dois porque assim que ele me olhou esquisito, perguntei-lhe a data. Se ele dissesse um número, não seria a data motivo de alguma coisa; e se ele respondesse alguma coisa diferente - como, por exemplo, hoje é dia de pintar o bigode! - , seria esse o motivo. Mas ele disse número: vinte e dois. Deu para reparar que não sei do mês, porque quando ele disse, eu sabia o mês. Hoje, não mais.
Então ele colocou a xícara vazia em cima da geladeira, do jeito que eu gosto.
- Ele quem? Ele não tem nome? É só mordomo?
Ele tem nome. Que não direi para não valorizá-lo. Todos quererão tê-lo como mordomo, o mordomo de Ewerton Clides! E levá-lo a festas só para dizer que está com o mordomo de Ewerton Clides!
Mas o motivo de eu não dizer o nome é unicamente o de que ele não sairia por motivos de ordem financeira! Porque ser meu mordomo não é somente ter um salário de mordomo de Ewerton Clides! É ser o mordomo de Ewerton Clides!
E o mordomo de Ewerton Clides, o meu mordomo, colocou a xícara vazia em cima da geladeira. Então colocou o chá de erva cidreira no vazio, onde deveria estar a xícara que não em cima da geladeira. Este é meu ritual porque assim aconteceu no dia que a conheci.
Mas desta vez, enquanto limpava o meu paletó de café da manhã, meu mordomo abaixou a cabeça, cujo cucuruto ficou na exata posição em que as lentes de meus óculos melhor funcionam: ele cortou o cabelo igual ao meu!
Como é sabível ao olhar na foto do prefácio de meu último livro - a sociologia é um CD-R: nãu funciona legal em discmans antigos - meu cabelo inexiste no cucuruto. E meu mordomo é jovem, teria cabelo onde quisesse! E não o quis no cucuruto: raspou o cabelo do cucuruto somente para ficar igual a mim.
terça-feira, 17 de julho de 2007
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