terça-feira, 31 de julho de 2007

Da intimidade com desconhecidos

Chamam-me comumente de ensimesmado. "O Ewerton Clides é a pessoa mais ensimesmada da paróquia!", dizem sem a menor cerimônia!

Mas há razões para isso. Digo ainda que não sou eu o ensimesmado, senão eles os depravados!

Não costumo relacionar-me muito com as pessoas, primeiramente porque todas gostam de ostentar a amizade que têm comigo. Pergunto-lhes as horas, e já vão dizendo que são íntimas de Ewerton Clides. Que Ewerton Clides é incapaz de uma dissertação sociológica sem a amizade delas! Que Ewerton Clides é tão íntimo delas, que oferece a careca para se coçar! Que os pêlos de Ewerton Clides da barriga rondam-lhe o umbigo! Que já viram Ewerton Clides de meia! E que a meia era meia-calça, de mulher!

Ora! É claro que a informação das horas é de incomensurável importância. E que naquele momento sou plenamente dependente dela. Mas não escolho primeiramente a pessoa a dedo para me dar esta informação. Escolho, pois, o relógio delas a dedo!

Quando estou em algum recinto e desejo saber as horas, analiso em volta de mim todos os relógios. O escolhido é o que aparente atrasar menos. Aí, sim, olho para a pessoa. E vejo na aparência dela, se ela ajustou o relógio com rigor na primeira vez, quando comprou ou ganhou o relógio. Porque não adianta que ele atrase menos, se quando a pessoa foi ajustar o relógio, perguntou a algum qualquer, e ajeitou para "nove e meia"! É necessário perguntar direitinho as horas. Talvez "nove e trinta e dois; quando for nove e trinta e três eu falo. 3, 2, 1 e já!"

Mas o motivo capital pelo qual não costumo misturar-me com os demais são os pensamentos ocultos.

Quando se conversa com alguma pessoa, não se sabe no que ela realmente está pensando. Talvez ela pense no assunto, sim. Mas há momentos em que assuntos íntimos se misturam aos do assunto discutido.

É muito possível que o interlocutor esteja pensando no próprio ânus! Já notei várias pessoas, que discutindo avidamente assuntos sociológicos, dão pausas para aliviar gases! Pausas gravíssimas! Eu, Ewerton Clides, as analiso e ruborizo-me. Certa vez, conversava eu com um sujeito que fez uma pausa para aliviar gases. Ele tinha uma convicção infantil de que eu não notaria o motivo da pausa. Pois ele pausou, e imagina quem se ruborizou? Eu mesmo, Ewerton Clides! No primeiro instante, ele achou que na verdade eu que havia me livrado de gases. Mas como era impossível, percebeu que percebi o truque, e encerrou o assunto com uma conclusão estapafúrdia, com que fui obrigado a concordar - mesmo contendo erros sociológicos inadmissíveis - para encerrar o colóquio de intimidade insuportável!
Há também os que pensam em fezes. Na limpeza mal feita das fezes. E algumas coisas mais.

É por isso que eu, Ewerton Clides, surpreendo sempre pela magnífica concentração nos assuntos, mesmo os mais corriqueiros. Pois ofereço-lhes minha atenção completa! Isto para não oferecer intimidade a quem não merece.

Um comentário:

Anônimo disse...

e o Bóris, morreu?